sábado, janeiro 20, 2007

Às vezes coisas dentro de nós...

Às vezes as coisas dentro de nós


O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.


Este poema foi publicado, salvo erro em 2002 como parte de "As fábulas" e foi escrito como uma breve Homenagem a Maria de Lurdes Pintassilgo, por Fioma Pais Brandão.
Fioma Pais Brandão, poetisa, tradutora, faleceu hoje aos 67 anos, em Lisboa.
Num curto espaço de menos de dois meses, partiram dois poetas : Mario Cesariny, e agora Fioma Pais Brandão e assim, vai a cultura viva deste país ficando cada dia mais pobre...
Não sei porquê, e apesar de ser um "lugar comum", ao ouvir a notícia da morte de Fioma, veio-me à memória, um poema de uma Brasileira:
Silvia Schmidt:

Quando um poeta se cala
Para sempre e deixa a vida,
Ouve-se a voz dolorida
De um verso levado à vala.

E uma poesia perdida
Vê-se na estrada, sem mala
Para guardar o que fala
E o que sente - sem guarida.

Quando um poeta nos deixa,
Fica uma brecha, uma queixa,
Resta um adeus sem acenos.

O mundo fica mais triste,
E o céu em dizer persiste
Que é Deus nos falando menos.


Tiber


segunda-feira, janeiro 15, 2007

O fim do Natal...

O dia 15 de Janeiro, dia de Santo Amaro, conhecido aqui na Madeira como dia de Varrer os Armários, marca o fim da época de Natal; tradicionalmente é neste dia que se arrumam os enfeites de Natal, que o Menino Jesus sai da Lapinha em Escadinha, para voltar ao seu lugar, na comoda de um dos quartos de dormir, onde ficará em sossego até ao próximo Natal...

O Natal tradicional aqui na Madeira, está cada vez mais distante e a desaparecer rapidamente; que é feito da beleza da "Festa"? Onde está o encanto da "1ªOitava"? Quantos ainda se lembram do "Cantar dos Reis" de porta em porta na noite de 5 para 6 de Janeiro? Quem se recorda ainda dos versos entoados em tom de alegre:
" Eu venho cantar os Reis
à porta do meu vizinho,
não tem nada pra me dar?
Dê-me um copinho de vinho!
E nós bem sabíamos,
e vós bem sabeis
que é no dia de hoje
que se canta os reis
".

E depois da festa dos Reis, lá vinha o Santo Amaro, no dia 15 de Janeiro... e lá iamos nós (os miudos como nos chamavam na altura...) de vassoura às costas outra vez de porta em porta para varrer os armários e claro está aproveitar para comer os últimos Bolos de Mel, as broas de mel acompanhadas com Tim-Tan-Tum... Como é óbvio, a vassoura só fazia parte da encenação...

Mas este ano, (talvez seja da idade que não perdoa), senti saudades do meu Natal... com os meus avós, senti que talvez esta época já não seja a minha, senti que já não me revejo nem vivo esta sociedade de consumo exacerbado e com valores por vezes tão distintos e diversos que não consigo compreender nem aceitar...
Este ano, neste Natal, ao ver pela Televisão, a transmissão da "Noite do Mercado", numa completa descaracterização do que era uma "noite mágica" e agora é mais um produto para turista ver com muito pouco de tradicional e sem aquela espontaneidade que o povo tem quando as festas são genuínas, dizia eu que ao ver tudo isso, senti-me triste, senti que de certa forma estava a envelhecer, não um envelhecimento físico, mas aquele anoitecer mental, aquele frio nas ideias, aquela sensação cruel de me sentir estranho na minha própria terra!

Tiber