segunda-feira, outubro 24, 2005

A minha tia Beatriz

A minha tia Beatriz, era uma bebedoura de café como nunca vi igual!
De manhã cedo, logo que se levantava, pegava numa cafeteira de ferro e fazia litro e meio de café “do bom”, que depois era bebido vagarosamente, chávena a chávena, com uma boa dose de açúcar “de cana”, porque “amarguras, já bastam as da vida”...
O cheiro intenso, activo do café era uma constante naquela casa e constitui ainda hoje uma das recordações mais fortes da minha infância; à criança que eu era, na altura, estava completamente vedado a bebida do café, mas a minha tia Beatriz, de vez em quando sorrateiramente quando a minha avó estava ausente, molhava um pouco de pão no café e dizia “Prova lá que isto não faz mal e até aquece a alma!” e eu, saboreava aquele naco de pão, com a delícia que o fruto proibido contém...
Foi com a minha tia Beatriz que ouvi as primeiras palavras em inglês, ditadas apenas pelo som... Lembro-me de quando a energia faltava, ela levantava-se dirigia-se ao quadro electrico junto à porta de entrada e dizia-me com ar entendido: “Deixa ver se os fiúsos da parede estão bons”... Demorou alguns anos até eu perceber que “fiusos” era a maneira que a tia Beatriz encontrara para a palavra “Fuse” e, de vez em quando, no meio da conversa, lá ela deixava escapar um “gates olrrite” a versão adaptada de “That’s all Right”...
Ah! Não me lembro da sua morte... apenas de me terem dito que a tia “tinha ido ter com Jesus” e que nunca mais a ia ver... De um momento para outro, desapareceu o cheiro a café, o naco de pão ensopado, o “gates olrrite” e eu, corri para o quarto e chorei....
A perda de alguém que gostamos, deixa sempre um vazio na alma... resta-nos o cheiro a café, as frases, os sorrisos...
É a isto que chamamos saudade... é isto que constitui o nosso fado!
Nem sei porque me lembrei dela hoje e agora, talvez por causa deste link: Valeria Mendez